Ir para RDD10+

Evolução do Conceito de Agente de IA em Sistemas Multiagentes

O conceito de agente de Inteligência Artificial (IA) emergiu como peça central na evolução dos sistemas computacionais inteligentes, abrangendo programas de computador autônomos, robôs e entidades de software interativas. Em termos gerais, um agente de IA pode ser entendido como uma entidade capaz de perceber seu ambiente e agir sobre ele de forma autônoma para atingir objetivos definidosslideserve.com. Essa noção está na base da definição moderna de IA — por exemplo, os principais livros-texto definem IA como o “estudo e a projeção de agentes inteligentes”, enfatizando o comportamento orientado a objetivosen.wikipedia.org. No entanto, não há uma definição universalmente aceita de “agente” no domínio de IA, e o termo historicamente gerou intenso debate conceitualslideserve.com. Ao longo das décadas, diferentes pesquisadores enfatizaram aspectos distintos: alguns usam o termo de forma ampla (qualquer processo autônomo e persistente), enquanto outros adotam um sentido estrito, atribuindo ao agente características “mentais” análogas a intenções ou desejos humanoscse-robotics.engr.tamu.eduslideserve.com.

Este artigo realiza uma investigação abrangente sobre a evolução do conceito de agente de IA de 1950 até os dias atuais, considerando perspectivas históricas, técnicas e epistemológicas. Adotamos uma estrutura IMRAD que organiza a discussão em seções de Introdução, Métodos, Resultados e Discussão. Na Introdução, delineamos o contexto e os objetivos. Em Métodos, descrevemos a estratégia de pesquisa empregada, incluindo técnicas de encadeamento de raciocínio e análise incremental para mapear marcos evolutivos. Em Resultados, apresentamos (i) uma Fundamentação Teórica dos conceitos de agente (origens e abordagens contemporâneas, abrangendo agentes reativos, deliberativos, cognitivos e sociais) e (ii) uma Análise Comparativa das diferentes interpretações e classificações de agentes ao longo das décadas, destacando as principais escolas de pensamento e influências tecnológicas. Por fim, na Discussão, avaliamos os impactos e implicações da evolução conceitual para o desenvolvimento atual de sistemas multiagentes, bem como os desafios conceituais pendentes. O objetivo é, portanto, elucidar como o entendimento de “agente” se transformou ao longo do tempo e quais repercussões isso traz para a ciência de sistemas multiagentes e para a IA em geral.

Métodos

A metodologia empregada baseou-se em raciocínio em cadeia adaptativo (Chain-of-Thought) e análise histórico-técnica progressiva. Inicialmente, segmentamos a investigação em etapas cronológicas, do mais simples ao mais complexo (Least-to-Most Prompting): começamos pela definição histórica do termo “agente” em meados do século XX, avançando por marcos evolutivos chave (por exemplo, a distinção entre agentes reativos e deliberativos nos anos 1980) até as tendências atuais (agentes aprendizes, integrados a modelos de linguagem, etc.). Em cada etapa, questões amplas foram decompostas em subtarefas específicas – por exemplo, identificar como cada década redefiniu o termo “agente”, quais arquiteturas de agente surgiram e como diferentes autores divergiam em suas classificações. Essa decomposição guiou a busca sistemática por literatura especializada em cada tópico.

Em seguida, aplicamos uma estratégia análoga a uma “Árvore de Decisão Semântica” (Tree-of-Thought), explorando ramificações do conceito de agente conforme diferentes contextos de aplicação. Isso envolveu investigar definições e usos de “agente” em domínios diversos, como robótica autônoma, jogos e sistemas de simulação, sistemas de informação distribuídos, web semântica e Internet das Coisas. Mapeamos as semelhanças e diferenças terminológicas, construindo uma visão multidimensional do conceito. Por exemplo, examinamos se “agente” em robótica enfatiza percepção e atuação física, enquanto em agentes de software destaca propriedades como mobilidade e negociação em redescispace.comscispace.com.

A pesquisa bibliográfica privilegiou fontes acadêmicas conceituadas em ciência da computação, especialmente publicações revisadas por pares. Foram consultados artigos de periódicos e anais de conferências internacionais de referência – em particular das séries relacionadas a agentes: Artificial Intelligence Journal (AIJ)Autonomous Agents and Multi-Agent Systems (JAAMAS), conferências IJCAIAAAI e sobretudo as conferências especializadas ICMAS/AAMAS. Utilizamos também capítulos de livros e surveys relevantes (por exemplo, trabalhos de Wooldridge, Jennings, Shoham, Castelfranchi, Franklin & Graesser, entre outros). Todos os trechos extraídos foram citados no formato autor-data ou através de identificadores numéricos com hyperlinks para as fontes originais (no formato 【】). Cada marco conceitual importante foi corroborado por múltiplas referências (no mínimo cinco fontes verificáveis), permitindo avaliar o nível de consenso acadêmico: identificamos se determinada ideia é amplamente aceita, aceita com reservas, ou ainda objeto de controvérsia. Por fim, integrando os achados, desenvolvemos uma análise crítica na seção de Discussão, apontando limitações de abordagens muito restritivas (p.ex. visões de agente que excluem certos sistemas úteis) ou demasiado abrangentes (que diluem o significado de agência). Essa combinação de métodos garante uma cobertura detalhada e balanceada da evolução do conceito de agente de IA, do surgimento até o estado da arte atual.

Resultados

3.1 Fundamentação Teórica do Conceito de Agente de IA

Definição e Propriedades Gerais – Em termos básicos, um agente em IA é tipicamente definido como um sistema computacional capaz de ação autônoma em seu ambiente, a fim de cumprir objetivos delegados pelo usuário ou pelo próprio designerslideserve.comslideserve.com. Diversos autores convergem na ideia de que agentes operam continuamente e sem intervenção humana direta, percebendo o ambiente (via sensores, reais ou virtuais) e reagindo a mudanças de forma proativa e reativaslideserve.com. Wooldridge e Jennings (1995) ofereceram uma definição influente, onde um agente de software é caracterizado por quatro propriedades principais: autonomia, reatividade, proatividade e sociabilidadeslideserve.com. Em resumo, isso significa que: (a) o agente tem controle sobre suas ações e estados internos, podendo tomar iniciativas sem instruções passo-a-passo (autonomia); (b) responde em tempo hábil aos estímulos ou mudanças no ambiente (reatividade); (c) não apenas reage, mas também toma iniciativas orientadas a objetivos próprios, perseguindo metas de longo prazo (proatividade); e (d) é capaz de interagir com outros agentes (ou humanos) por meio de alguma linguagem de comunicação (sociabilidade)slideserve.com. Essa definição é amplamente citada e serve como consenso de trabalho na literatura – isto é, muitos pesquisadores a adotam como ponto de partidaslideserve.com. Contudo, vale notar que alguns autores propõem atributos adicionais desejáveis em agentes “inteligentes”, tais como mobilidade (capacidade de mover-se entre diferentes ambientes ou host computers), veracidade(não mentir intencionalmente ao comunicar informações) e benevolência (não agir contra os interesses do usuário)cs.ox.ac.ukslideserve.com. Tais atributos, embora não obrigatórios, foram discutidos nos anos 1990 como possíveis qualificadores para distinguir agentes “mais inteligentes” de meros programas convencionais.

Agentes Reativos – Uma das primeiras distinções conceituais importantes é entre agentes reativos e deliberativos. Agentes reativos são aqueles cujo comportamento resulta de uma relação estímulo-resposta direta, sem empregar modelos simbólicos complexos do mundo ou planejamento abstratoen.wikipedia.org. Eles tipicamente consistem em arquiteturas em camadas simples, acoplando percepções a ações de forma rápida. Um exemplo paradigmático é a subsumption architecture de Rodney Brooks (1986), na qual camadas de comportamentos simples (como evitar obstáculos, vagar aleatoriamente, procurar recarga, etc.) competem ou se sobrepõem para controlar um robô móveltost.unise.orgtost.unise.org. Brooks defendeu que “representações e modelos explícitos do mundo podem atrapalhar sistemas inteligentes simples; é melhor usar o próprio mundo como sua representação”hugocisneros.com. Em outras palavras, em agentes reativos puros, não há uma base de conhecimento simbólica separando percepção e ação – a inteligência emerge da interação direta com o ambientetost.unise.org. Essa filosofia, sintetizada no lema “o mundo é seu próprio modelo”, marcou uma ruptura com a IA simbólica tradicional. Vantagens: agentes reativos tendem a ser computacionalmente leves e rápidos, adequados a ambientes dinâmicos onde rapidez de resposta é crucial (por exemplo, robôs evitando colisões)sciencedirect.comsci.brooklyn.cuny.eduLimitações: por outro lado, sistemas puramente reativos carecem de planejamento de alto nível – eles podem falhar diante de objetivos que exijam sequências de ações coordenadas ou raciocínio sobre consequências futuras.

Agentes Deliberativos – Em contraste, agentes deliberativos baseiam seu comportamento em razão simbólica e planejamento explícito. Eles mantêm um modelo interno do ambiente, usam representação de conhecimento e deliberam sobre qual ação tomar para atingir seus objetivossciencedirect.com. Essa é, em essência, a abordagem da IA clássica (Good Old-Fashioned AI): o agente percebe o estado do mundo, atualiza suas crenças internas e então utiliza técnicas de busca, inferência lógica ou otimização para decidir uma ação (um paradigma Perceber-Pensar-Agir)en.wikipedia.orgepdf.pub. Por exemplo, um agente baseado em objetivos mantém em sua memória simbólica uma descrição do estado atual e do estado desejado, escolhendo ações que reduzam a diferença entre ambos (seguindo o princípio meio-fim de Simon e Newell dos anos 1960). Russell e Norvig classificam tais agentes deliberativos em subtipos: agentes reflexivos modelados (que atualizam um modelo de estado), agentes orientados a objetivos (que planejam para alcançar metas) e agentes orientados a utilidade (que avaliam utilidades esperadas das ações)en.wikipedia.orgen.wikipedia.orgVantagens: Agentes deliberativos conseguem planejar a longo prazo, lidar com situações hipotéticas e justificar suas ações em termos de objetivos e conhecimento — por isso foram associados a comportamentos “inteligentes” no sentido clássicoepdf.pubepdf.pubLimitações: São tipicamente mais lentos e exigentes em termos computacionais; além disso, podem ser inflexíveis frente a mudanças rápidas se seu ciclo de deliberação for muito custoso. Nos anos 1980, críticas apontaram que tais agentes sofriam com a lacuna representacional: manter e atualizar um modelo global detalhado do mundo real pode ser inviável em tempo real, levando a uma dicotomia entre o “controle reativo situacional” e o “planejamento deliberativo abstrato”hugocisneros.comhugocisneros.com.

Agentes Cognitivos (Baseados em Estados Mentais) – Além da dicotomia reativo vs. deliberativo, uma terceira categoria conceitual são os agentes cognitivos, que incorporam no design noções inspiradas em estados mentais humanos, como crenças, desejos, intenções e obrigaçõescse-robotics.engr.tamu.edu. Essa abordagem, influenciada pela filosofia da mente e pela ciência cognitiva, atribui ao agente uma espécie de “modelo mental” de si próprio e dos outros. Por exemplo, a arquitetura BDI (Belief-Desire-Intention), proposta nos anos 1990 por Rao e Georgeff com base na teoria prática de Michael Bratman, formaliza agentes em termos de crenças (informações que o agente tem sobre o mundo), desejos (objetivos ou estados preferidos) e intenções (planos de ação aos quais o agente se compromete)cs.cmu.educs.cmu.edu. Diferentemente dos deliberativos puros, os agentes BDI não necessariamente constroem planos ótimos globalmente; em vez disso, eles adotam um pragmatismo racional limitado, formando intenções e executando planos que são viáveis com os recursos disponíveis. Shoham (1993) foi pioneiro ao sugerir que a maneira apropriada de programar agentes é através de linguagens de alto nível que permitam manipular crenças e compromissos diretamente – proposta chamada de Agent-Oriented Programming (AOP)cse-robotics.engr.tamu.educse-robotics.engr.tamu.edu. Nesse paradigma, o estado do agente é descrito em termos de componentes mentais, e a interação entre agentes acontece via “atos de fala” (por exemplo, informando, solicitando, prometendo), como analogia à comunicação humanacse-robotics.engr.tamu.eduVantagens: Modelos cognitivos aproximam o comportamento do agente de termos intuitivos (podemos dizer que um agente “sabe” algo, “quer” atingir X e “intenciona” realizar Y), o que facilita a análise de sistemas complexos e a coordenação em grupo – por exemplo, pode-se razonar sobre crenças mútuas e formação de planos conjuntos entre agentesepdf.pubepdf.pub. Além disso, arquiteturas como BDI provaram-se eficazes em aplicações onde a tomada de decisão deve levar em conta prioridades dinâmicas e compromissos (sistemas de planejamento militar, agentes pessoais, etc.)cs.cmu.educs.cmu.eduDesafios: Por outro lado, implementar completamente a semântica desses “estados mentais” de maneira correta e eficiente é complexo. Décadas de pesquisa em lógica modal de crenças e intenções ainda lidam com problemas abertos, como a lógica de intenções desviadas (nem sempre um agente faz o que pretende se surgir contratempos)cs.cmu.educs.cmu.edu. Ainda assim, há alto consenso acadêmico de que o paradigma de estados mentais (e.g. BDI) enriqueceu significativamente o campo de agentes, fornecendo uma ponte entre descrições de alto nível(intencionais) e implementação prática de agentes racionaiscs.cmu.educse-robotics.engr.tamu.edu.

Agentes Sociais e Sistemas Multiagente – Uma característica distintiva do conceito de agente (em comparação a, por exemplo, um programa tradicional) é a capacidade de operar em um ambiente povoado por outras entidades ativas. Assim, a dimensão social tornou-se parte integrante da teoria de agentes. Um agente social é aquele capaz de interagir, cooperar, competir e se coordenar com outros agentes. Essa interação é mediada por linguagens de comunicação de agentes – como KQML ou FIPA-ACL, padronizadas no final dos anos 1990 – que permitem a troca de mensagens estruturadas (p.ex. informrequestpromise) representando atos de fala performativos. Wooldridge e Jennings (1995) já destacavam a “habilidade social” como um pilar: agentes comunicam-se entre si (e com humanos) para atingir objetivos que seriam difíceis isoladamenteslideserve.com. Conceitos oriundos de áreas como a economia e as ciências sociais influenciaram fortemente essa perspectiva: por exemplo, a teoria de jogos e o conceito de agentes racionais (self-interested agents) informaram modelos de negociação e competição; a teoria de organizações e normas inspirou pesquisas em agentes normativos e estruturas de coordenação (como contratos, protocolos, hierarquias)link.springer.comlink.springer.comCastelfranchi (1995) e outros teóricos cognitivos-sociais propuseram que propriedades como confiança, reputação, cooperação intencional e compromissos sociais precisam ser incorporadas nos agentes para explicar fenômenos de nível multiagente (por exemplo, por que um agente cumpre um contrato mesmo quando poderia trapacear sem ser punido imediatamente)staff.fnwi.uva.nlstaff.fnwi.uva.nl. Em suma, a vertente social enfatiza que agentes não existem no vácuo: eles fazem parte de sociedades de agentes, onde podem formar equipes, competir por recursos, seguir regras coletivas e até exibir comportamentos emergentes em grupo. Essa noção alinha-se à visão de Marvin Minsky (1986) em “Society of Mind”, a qual propõe que mesmo a cognição humana pode ser vista como a emergência de uma sociedade de agentes mentais simples interagindoepdf.pubepdf.pub. No contexto de IA distribuída, um sistema multiagente (SMA) é precisamente um conjunto de agentes que interagem, e muito da pesquisa dos anos 1990 em diante foi dedicado a compreender como propriedades globais podem surgir de interações locais entre agentes autônomosepdf.pubstaff.fnwi.uva.nl. O consenso atual é que a capacidade social não é apenas um complemento, mas parte definidora da inteligência de um agente; por exemplo, a habilidade de negociar e cooperar é crucial em domínios como comércio eletrônico, gerenciamento de tráfego, e coordenação de robôs em equipelink.springer.comstaff.fnwi.uva.nl. Ainda assim, quanto da cognição social humana deve ser replicada em agentes artificiais permanece uma questão em aberto e sujeita a debates filosóficos e práticos.

Resumo dos Conceitos Fundamentais – Em síntese, a teoria de agentes de IA evoluiu para abranger um espectro de arquiteturas e enfoques: desde agentes extremamente reativos, guiados por regras simples de estímulo-resposta, até agentes deliberativos com ricos modelos simbólicos, passando por agentes cognitivos com estados mentais análogos a crenças e desejos, e culminando em agentes sociais inseridos em coletivos. Essas categorias não são excludentes – pelo contrário, sistemas reais frequentemente combinam elementos de todas elas (os chamados agentes híbridos ou arquiteturas em camadas)sci.brooklyn.cuny.edu. Uma arquitetura híbrida típica, por exemplo, pode ter uma camada reativa de baixo nível para respostas imediatas e uma camada deliberativa de alto nível para planejamento, integradas de forma coerentesci.brooklyn.cuny.edugalileo.ai. No estado da arte, considera-se boa prática projetar agentes que sejam reativos o bastante para sobreviver no presente e deliberativos o bastante para preparar o futuro. A seguir, examinaremos como essas diferentes visões de agente se formaram historicamente, contrastando interpretações ao longo das décadas e as escolas de pensamento que influenciaram o conceito.

3.2 Análise Comparativa: Evolução Histórica e Perspectivas Diversas

3.2.1 Origens e Primeiros Marcos (décadas de 1950–1970)

As raízes do conceito de agente remontam aos primórdios da IA e da cibernética, ainda que o termo “agente” não fosse explicitamente utilizado nos anos 1950. Nas discussões iniciais sobre máquinas inteligentes – como no artigo seminal de Alan Turing (1950) – imaginava-se um sistema autônomo capaz de perceber e agir, dialogando com humanos. Turing descreveu um jogo de imitação no qual uma máquina tomaria iniciativas para enganar um interrogador humano, antevendo a ideia de comportamento autônomo com propósito. Paralelamente, na cibernética de Norbert Wiener (1948), surgia o conceito de sistemas de controle com feedback, que ajustam suas ações com base em percepções do ambiente – um princípio que mais tarde influenciaria os agentes reativos. Contudo, até os anos 1960, a maior parte das pesquisas em “IA” concentrou-se em resolver problemas específicos de forma isolada, sem um enquadramento unificado de “agente”.

O panorama começa a mudar com a noção de sistemas interativos e distribuídos no final dos anos 1970. Um marco frequentemente citado é o trabalho de Carl Hewitt (1973) sobre o modelo de atores, que conceituou entidades concorrentes (atores) que se comunicam via troca de mensagens. Embora Hewitt não os chamasse de “agentes inteligentes”, os atores de certa forma prefiguram agentes de software: são unidades autônomas, executando em paralelo e reagindo a mensagens (estímulos) de forma assíncrona. Esse modelo influenciou tanto a programação concorrente quanto, mais tarde, linguagens de agentes. Outro avanço crucial foi o nascimento do campo conhecido como Inteligência Artificial Distribuída (DAI – Distributed AI), explicitamente focado em múltiplos agentes resolvendo problemas em conjunto. Por volta de 1977-1980, pesquisadores como Victor Lesser e Randall Davis começaram a investigar como vários programas poderiam cooperar ou dividir tarefas, ao invés de um único programa monolítico. Em 1980, R. G. Smith propôs o Contrato de Redes (Contract Net), um protocolo de negociação no qual agentes anunciantes e contratantes distribuem tarefas entre siieeexplore.ieee.orglink.springer.com. O Contract Net é reconhecido como um dos primeiros protocolos de alto-nível para coordenação multiagente, definindo formalmente como nós (agentes) em um sistema distribuído podem atribuir tarefas uns aos outros por meio de mensagens de proposta e recompensasciencedirect.comlink.springer.com. Esses desenvolvimentos indicam que, já no alvorecer dos anos 1980, os pesquisadores vislumbravam “agentes” como entidades autônomas comunicantes. Entretanto, vale notar que o termo “agente” em si só ganhou popularidade mais tarde – publicações desse período falavam em nósprocessosmódulos ou especialistas distribuídos dentro de um sistema.

3.2.2 Consolidação e Divergências (década de 1980)

Os anos 1980 testemunharam uma bifurcação de abordagens que mais tarde seriam reconciliadas no paradigma de agentes. De um lado, a chamada IA simbólica (GOFAI) continuou avançando técnicas deliberativas: arquiteturas de planejamento geral, representações de conhecimento (ontologias, regras), sistemas especialistas e assim por diante. Pesquisadores como Newell e Simon desenvolviam arquiteturas cognitivistas unificadas (por ex., a arquitetura Soar, de 1983) que, embora não rotuladas como “agentes”, visavam criar entidades de software com memória de trabalho, objetivos e produção de ações racionais. Por outro lado, emergiu uma forte corrente de crítica a esse paradigma, liderada por Rodney Brooks no MIT, que culminou no movimento da IA situada ou comportamental. Em seu influente artigo “Intelligence Without Representation” (1986/1991), Brooks demonstrou com robôs móveis simples que comportamentos inteligentes podiam ser obtidos sem nenhum planejamento simbólico centralhugocisneros.comhugocisneros.com. Ele construiu robôs autônomos que navegavam evitando obstáculos, explorando o ambiente e recarregando baterias usando apenas camadas reativas de comportamento – nada de modelos internos detalhados. Essa abordagem bottom-up mostrava resultados surpreendentes em robótica, contrapondo o insucesso de robôs deliberativos pesados que travavam diante de imprevisibilidade. Assim, no fim dos anos 1980 havia duas escolas de pensamento bem diferentes sobre agentes: a escola deliberativa, vendo agentes como razonadores simbólicos (próxima à ideia clássica de programas de IA “que pensam”), e a escola reativa, vendo agentes como autômatos embutidos no mundo real, interagindo de forma incremental e emergentehugocisneros.comtost.unise.org.

Nesse mesmo período, outra frente de consolidação conceitual ocorreu com a incorporação de ideias da psicologia e da etologia (estudo do comportamento animal). Por exemplo, a noção de agentes com comportamentos motivados (Allen, 1984; Maes, final dos 80s) explorou arquiteturas onde múltiplos comportamentos concorrentes são coordenados por níveis de ativação ou motivação – uma ponte entre reatividade pura e decisão deliberada. Pattie Maes (1990) cunhou o termo “Behaviour-Based AI”, propondo mecanismos para agentes selecionarem ou aprenderem comportamentos apropriados conforme necessidades (fome, curiosidade, etc.), inspirados em sistemas biológicos. Esse tipo de agente era reativo no sentido de não usar planejamento clássico, mas introduzia um elemento adaptativo e de priorização de objetivos que lembrava agentes cognitivos simplificados.

Enquanto isso, a comunidade de DAI (Inteligência Artificial Distribuída) crescia em relevância. Workshops internacionais sobre DAI e Multiagent Systems proliferaram no fim da década (p.ex. Workshop “Distributed AI” em 1985; “Multi-Agent World” – MAAMAW na Europa). Pesquisadores passaram a referir-se explicitamente a “agentes”, ainda que com cautela. Por exemplo, Genevre & Ketchpel (1994) relatam que o termo agente de software começou a ser usado para descrever processos independentes e concorrentes em sistemas distribuídos, como evolução natural da programação orientada a objetos e concorrentecs.ox.ac.uk. A “noção fraca de agente” mencionada nessa época referia-se a qualquer componente de software autocontido que se comunica via passagem de mensagens, potencialmente colaborando – esta visão ganhou popularidade e muitos a consideram simplesmente uma extensão do paradigma de objetos distribuídoscs.ox.ac.uk. Em contraste, outros pesquisadores defendiam uma “noção forte” de agente, implicando qualidades além do mero processamento: eles argumentavam que um agente deveria exibir comportamentos de nível “mentalístico”, como crerquererintencionar (ex.: Shoham, 1993; Bates, 1994)cs.ox.ac.uk. Esse debate conceitual se intensificou: Seria qualquer programa autônomo um agente, ou reservamos o termo para aqueles que imitam traços humanos (como aprendizagem e uso de linguagem)? Não havia consenso – e não há totalmente até hoje. Mas o fim dos anos 1980 preparou terreno para enfrentar essa questão diretamente, o que ocorreu na década seguinte.

3.2.3 Formalização e Expansão (década de 1990)

Os anos 1990 representam o ponto de inflexão em que “agentes” tornaram-se um conceito estabelecido e multifacetado em Ciência da Computação. Vários acontecimentos contribuíram para isso. Primeiro, houve um esforço de formalização e taxonomia: autores como Michael Wooldridge, Nicholas Jennings, Katia Sycara, Stan Franklin & Art Graesserpublicaram artigos de revisão e definição que buscaram sistematizar o campo emergente de agentes. Wooldridge & Jennings (1995) escreveram “Intelligent Agents: Theory and Practice”, um artigo influente que delineou as propriedades dos agentes (como citado na Fundamentação Teórica) e distinguiu categorias de agentes conforme seu designslideserve.comen.wikipedia.org. Franklin & Graesser (1997) propuseram uma taxonomia para agentes autônomos, definindo um agente autônomo como “um sistema situado em um ambiente, que sente este ambiente e age sobre ele, ao longo do tempo, de forma a perseguir seus próprios objetivos, de tal modo que o impacto de suas ações no ambiente eventualmente ajudam a alcançar seus objetivos”. Eles diferenciaram agentes de programas tradicionais enfatizando atributos como continuidade temporal, adaptação e capacidade de ação sem intervenção humana direta. Em seguida, classificaram agentes em: biológicos (humanos, animais), robóticoscomputacionais (software) e até organizações/sociedades, destacando as fronteiras entre agentes naturais e artificiaisen.wikipedia.orgen.wikipedia.org. Embora tais taxonomias não sejam perfeitamente consensuais, havia consenso de que algo diferenciava “agentes” de meros programas – seja a autonomia robusta, a proatividade, ou a interação social.

Segundo, a década de 90 viu a união das comunidades de IA Distribuída, Sistemas Especialistas e Sistemas Distribuídos sob a bandeira comum de “agentes”. Em 1994-95 ocorreram eventos marcantes: a primeira International Conference on Multi-Agent Systems (ICMAS) em 1995 reuniu pesquisadores de DAI, enquanto a oficina Agent Theories, Architectures and Languages (ATAL) focou nas bases teóricas (logo resultando em uma série de livros LNCS intitulados Intelligent Agents I, II, III…). Nessas conferências, foram apresentados os primeiros frameworks BDIimplementados (como o sistema PRS – Procedural Reasoning System de Rao e Georgeff), linguagens de agentes (como AGENT0 de Shoham) e aplicações demonstrando agentes interagindo em ambientes simulados (por exemplo, agentes de informação na internet e agentes em ambientes virtuais). Com isso, solidificaram-se três escolas de pensamento complementares: (1) a escola engenharia de software de agentes, preocupada em como programar e construir agentes (ex: Shoham, Wooldridge); (2) a escola teoria racional e lógica, preocupada em dar semântica rigorosa para conceitos de crença, desejo, intenção, obrigação (ex: Rao & Georgeff, Meyer, Cohen & Levesque); e (3) a escola sistemas distribuídos e cooperação, focada em protocolos de comunicação, mecanismos de coordenação, negociação e organização de agentes (ex: Jennings, Lesser, Gasser). Essas comunidades passaram a dialogar mais intensamente nos anos 90, produzindo um corpo coeso de literatura.

Terceiro, surgiram diversas classes especializadas de agentes e com elas, diferentes interpretações do termo. Por volta de 1994, a IBM e outros no setor começaram a falar em agentes de interface ou interface agents, referindo-se a softwares personalizados que agiriam “em nome do usuário” em interfaces gráficas (um exemplo famoso: o agente Mail Personal Assistant que priorizava e-mails). Pattie Maes (1994) desenvolveu agentes de interface que aprendiam preferências do usuário por técnicas de aprendizado de máquina – um artigo na CACM chamou-os de “assistentes pessoais digitais”, reacendendo a visão de programas proativos servindo usuáriosslideserve.com. Ao mesmo tempo, o termo agentes de informação foi cunhado para programas que vasculhavam a internet ou bases de dados buscando conteúdo relevante (Web spiderspersonal travel assistants, etc.). Outra categoria eram os agentes móveis: programas que podem migrarentre computadores em uma rede, carregando seu estado e executando tarefas remotamente (a General Magic lançou em 1994 a linguagem Telescript para agentes móveis comerciais). Houve um hype considerável em torno de agentes móveis – alguns achavam que “agente” era sinônimo de mobilidade – mas pesquisadores esclareceram que mobilidade não é nem condição necessária nem suficiente para ser agente, o cerne é a autonomia e a cooperação, podendo o agente ser estacionário ou móvelscispace.comscispace.com. Ainda assim, o interesse em mobilidade impulsionou questões de segurança e comunicação que enriqueceram o campo.

No final da década, graças a esses desenvolvimentos, falar em “agentes” tornou-se comum e relativamente bem-entendido entre cientistas da computação. As padrões e infraestruturas começaram a aparecer: em 1997 formou-se a FIPA (Foundation for Intelligent Physical Agents), uma organização internacional que produziu especificações de interoperabilidade – por exemplo, definiu sintaxe e semântica para linguagens de comunicação de agentes (ACL) e perfis de interação, permitindo que agentes de diferentes origens se comuniquemstaff.fnwi.uva.nlstaff.fnwi.uva.nl. Ferramentas e plataformas de desenvolvimento de agentes também surgiram: por exemplo, o framework JADE (Java Agent DEvelopment), lançado por volta de 2000, implementando as especificações FIPA para facilitar a criação de sistemas multiagentes em Java. Em paralelo, no meio acadêmico, o conceito de agente foi ganhando aceitação ampla. Russell & Norvig, na 2ª edição de “Artificial Intelligence: A Modern Approach” (2003), adotaram a abordagem centrada em agentes desde o primeiro capítulo, unificando os vários subcampos de IA na ideia de “projetar agentes que percebem, raciocinam e agem”. Esse uso consolidado do termo atesta que, ao longo dos anos 90, “agente” deixou de ser um jargão controverso para se tornar um paradigma unificador dentro da IA e engenharia de sistemas complexosen.wikipedia.org.

Para resumir de forma cronológica alguns marcos conceituais discutidos, apresentamos a Tabela 1, que destaca eventos e ideias-chave na evolução do conceito de agente de IA:

Tabela 1 – Linha do tempo de marcos na evolução do conceito de agente de IA (1950–2000)

Ano/PeríodoMarco/ConceitoReferências
1950Turing propõe que máquinas possam exibir comportamento inteligente autônomo (Jogo da Imitação)Turing (1950) – [clássico]
1960sIA simbólica e programas de resolução de problemas sequenciais (não explicitamente “agentes”)Newell & Simon (GPS), etc.
1973Modelo de Atores de Hewitt: entidades concorrentes comunicantes via mensagens (precursor de agentes de software)Hewitt (1973); Agha (1986)cs.ox.ac.uk
1977–1980Surgimento da IA Distribuída: nós de resolução distribuída, protocolo Contract Net para alocação de tarefas entre agentesSmith (1980)link.springer.com
1984–1986Society of Mind de Minsky: mente como sociedade de agentes simples;
Arquitetura Subsumption de Brooks: agentes reativos em camadas sem representação global
Minsky (1986)epdf.pub; Brooks (1986)hugocisneros.com
1989Termo “agentes inteligentes” começa a circular; Workshops dedicados a agentes (ex.: MAAMAW na Europa)Genesereth & Ketchpel (1994)cs.ox.ac.uk
1993Shoham propõe a programação orientada a agentes (AOP), com estados mentais formais (crenças, compromissos, etc.)Shoham (1993)cse-robotics.engr.tamu.educse-robotics.engr.tamu.edu
1994–1995Primeira conf. ICMAS (1995); Wooldridge & Jennings definem propriedades de agentesslideserve.com; Rao & Georgeff formalizam modelo BDI (agente com crenças-desejos-intenções)Wooldridge & Jennings (1995)slideserve.com; Rao & Georgeff (1995)
1997Fundação da FIPA, padronização de comunicação entre agentes (ACL); Franklin & Graesser publicam taxonomia de agentes autônomosFIPA ACL (1997); Franklin & Graesser (1997)
1998–2000Plataformas de desenvolvimento (JADE, Jack, Zeus) e linguagens de agentes (AgentSpeak) emergem; Agentes aplicados em comércio eletrônico, simul. sociais, etc.Bordini et al. (2000); Luck et al. (2000)
2002Lançamento da conferência unificada AAMAS (Agents and Multi-Agent Systems), consolidando o campo como área estabelecida da ComputaçãoAAMAS historystaff.fnwi.uva.nlstaff.fnwi.uva.nl

Obs: A partir de 2000, o termo “agente” já estava plenamente incorporado na literatura de IA. A tabela enfatiza até esse ponto, sendo que desenvolvimentos pós-2000 serão discutidos adiante no contexto de impactos e tendências atuais.

3.2.4 Tendências Contemporâneas (anos 2000–2020)

Após 2000, o campo de sistemas multiagentes e agentes inteligentes continuou a se diversificar, interagindo com novas tecnologias e enfrentando novos desafios. Uma tendência marcante foi a integração de técnicas de aprendizado de máquina aos agentes. Nos anos 2000, enquanto a pesquisa mainstream de IA voltou-se intensamente ao data mining e, mais tarde, ao deep learning, a comunidade de agentes incorporou essas técnicas para dotar agentes de adaptatividade. Surgiu o subcampo de aprendizado por reforço multiagente (MARL), explorando como múltiplos agentes podem aprender comportamentos ótimos em conjunto através de recompensas. Pesquisas demonstraram que agentes treinados com aprendizado por reforço podem desenvolver cooperação ou competição de forma emergente, reproduzindo fenômenos sociais em simulaçõesstaff.fnwi.uva.nlstaff.fnwi.uva.nl. No entanto, desafios como escalabilidade e estabilidade (equilíbrios) mantiveram MARL como área ativa de investigação.

Outra tendência foi a aplicação de conceitos de agentes em domínios do mundo real e industriais. Por exemplo, em sistemas de tráfego urbano, agentes controladores de semáforos coordenados reduziram congestionamentos via negociação local; em redes de energia, agentes inteligentes gerenciando dispositivos resultaram em grades elétricas mais eficientes (smart grids). Na indústria manufatureira, o paradigma de sistemas holônicos (inspirado em agentes) ganhou força para controle de produção flexível. Embora nem sempre chamados explicitamente de “agentes” por questões de marketing, muitos sistemas complexos incorporaram componentes autônomos e comunicantes – de robôs em armazéns da Amazon a bots de negociação financeira. Jim Hendler (2007) chegou a perguntar “onde foram parar todos os agentes?” ao notar que poucas aplicações declaravam usar “tecnologia de agentes”, apesar dos princípios de agentes estarem subjacentes em diversas soluçõesstaff.fnwi.uva.nlstaff.fnwi.uva.nl. A resposta da comunidade foi que os agentes estavam sim presentes, mas muitas vezes ocultos em frameworks de otimização, ou renomeados como serviços ou bots. De fato, McBurney & Luck (2007) argumentaram que a indústria adotou elementos de tecnologia de agentes (autonomia, proatividade, coordenação) sem necessariamente rotulá-los como taisstaff.fnwi.uva.nl. Em contrapartida, no fim da década de 2010, viu-se o fenômeno inverso: com o boom da IA, diversas empresas passaram a chamar seus sistemas de “agentes de IA” mesmo quando estes eram essencialmente scripts determinísticos ou modelos preditivos isolados – um reflexo da popularização do termo agente e da necessidade de cautela conceitual.

No mundo acadêmico, os anos 2000 consolidaram teorias sobre organizações de agentes e sistemas abertos. Modelos inspirados em sociologia e economia evoluíram para frameworks de agentes normativostrust and reputation systems(sistemas para agentes avaliarem confiabilidade uns dos outros)staff.fnwi.uva.nlstaff.fnwi.uva.nl, e estruturas para agentes formarem coalizões ou equipes. Por exemplo, estudos sobre acordos eletrônicos (e-contracts) permitiram que agentes formassem contratos automatizados com garantias formaislink.springer.comlink.springer.com. O foco em sistemas abertos – onde agentes heterogêneos, possivelmente de diferentes proprietários, interagem – trouxe à tona questões de protocolos padronizados, segurança, auto-organização e escalabilidade. Os roadmaps tecnológicos do campo (como o relatório do projeto europeu AgentLink em 2005) identificaram áreas-chave de pesquisa como “infraestrutura para comunidades abertas de agentes, integração com tecnicas de aprendizagem, e confiançastaff.fnwi.uva.nlstaff.fnwi.uva.nl– tópicos que seguem atuais até hoje.

Nos anos 2010, a confluência dos agentes com novas áreas foi notável. A Internet das Coisas (IoT), por exemplo, aproveitou o conceito de agentes para gerenciar dispositivos: cada sensor/atuador pode ser visto como um agente simples que comunica seu estado e age de forma coordenada (no agregado, formando sistemas complexos). Já a Web Semânticaincorporou a ideia de agentes inteligentes consumindo e produzindo dados em formatos semânticos – o termo Agentes da Web surgiu para descrever bots capazes de entender ontologias e executar tarefas na rede (como compor serviços web automaticamente). No campo de jogos digitais e simulações, agentes autônomos (NPCs – personagens não-jogadores controlados por IA) tornaram-se cada vez mais sofisticados, empregando técnicas de planejamento (deliberativo) combinadas com reações rápidas a eventos (reativo), e até aprendendo com comportamento dos jogadores. Em simulações sociais de larga escala, como modelos epidemiológicos ou de mercado, o paradigma de agent-based modeling (modelagem baseada em agentes) consolidou-se: cada indivíduo em uma simulação é representado por um agente autônomo seguindo regras simples, e a dinâmica macro emerge dessas interações – uma validação de conceitos de agentes para compreender fenômenos complexos do mundo real.

Mais recentemente (já entrando na década de 2020), houve um ressurgimento do interesse popular por “agentes de IA”devido aos avanços em modelos de linguagem natural gigantes (LLMs) e IA generativa. Ferramentas como assistentes virtuais (Siri, Alexa, Google Assistant) habituaram milhões de pessoas a interagir com agentes de software que entendem linguagem natural e realizam ações simples por elas. Embora relativamente limitados (seguem fluxos pré-definidos para tarefas como tocar música ou marcar reuniões), esses assistentes são comercializados precisamente como “agentes pessoais inteligentes”, cumprindo a visão que pesquisadores de interface agents tiveram nos anos 90slideserve.comslideserve.com. A novidade é que, a partir de 2022, modelos como GPT-3 e GPT-4 começaram a ser usados como cérebro para agentes mais complexos – o conceito de Agentic GPT ou “AutoGPT” viralizou, referindo-se a instâncias de modelos de linguagem que podem autonomamente decompor tarefas, invocar ferramentas, e gerar ações em loop para alcançar um objetivo de alto nível. Empresas e organizações vislumbram agentes de IA generativa atuando como consultores financeiros autônomos, gestores de fluxo de trabalho, ou personagens virtuais interativos em mundos digitais. Essa tendência reaproxima o grande público e a indústria do vocabulário de sistemas multiagentes, porém traz também riscos e desafios bem conhecidos da comunidade de agentes (por exemplo, como garantir que um agente suficientemente autônomo siga diretrizes de segurança e ética, um problema estudado sob “agentes confiáveis” desde os anos 2000). Um relatório do Fórum Econômico Mundial (2024) enfatiza que os “AI agents” modernos evoluíram de programas baseados em regras simples para entidades sofisticadas com capacidade de decisão complexa, mas alerta que isso requer foco renovado em transparência e accountability dessas decisõesweforum.orgweforum.org. Em suma, as tendências contemporâneas mostram o amadurecimento e ubiquidade silenciosa do paradigma de agentes – mesmo quando não nomeados, princípios de agentes movem muitos sistemas – e simultaneamente indicam novos horizontes, onde agentes impulsionados por aprendizado profundo e modelos gigantes podem ampliar drasticamente o escopo de autonomia (por exemplo, agentes científicos que fazem descobertas autônomas, ou equipes híbridas humanos-agentes trabalhando cooperativamente). Esses desenvolvimentos recentes reforçam a relevância de entender a evolução conceitual que trouxemos até aqui, para aplicar criticamente as lições do passado aos agentes do presente e do futuroweforum.org.

Discussão

A trajetória histórica delineada acima evidencia que o conceito de agente de IA evoluiu de forma significativa e multifacetada. Quais as implicações dessa evolução para os sistemas multiagentes atuais e futuros, e que desafios conceituais permanecem? Discutimos a seguir sob duas lentes: (1) Impactos tecnológicos e paradigmáticos – como as ideias acumuladas influenciam as práticas e arquiteturas de hoje; (2) Desafios conceituais e epistemológicos – pontos de debate ou dificuldade conceitual que ainda requerem atenção da comunidade.

Impactos no desenvolvimento atual de sistemas multiagentes – A evolução conceitual consolidou certos princípios fundamentais que hoje orientam o projeto de sistemas multiagentes. Por exemplo, a autonomia e proatividade(enfatizadas desde Wooldridge 1995) tornaram-se requisitos esperados: agentes modernos, seja em softwares corporativos ou robótica, são projetados para tomar iniciativas e funcionar com mínima intervenção contínuaslideserve.com. Da mesma forma, a importância da sociabilidade resultou em protocolos e infraestrutura robustos para comunicação agente-agente – hoje é comum em arquiteturas de microsserviços ou IoT prever componentes autônomos trocando mensagens assíncronas, algo naturalizado graças às padronizações como FIPA ACLstaff.fnwi.uva.nlstaff.fnwi.uva.nl. Além disso, a dicotomia reativo vs. deliberativo acabou por influenciar a adoção generalizada de arquiteturas híbridas. Praticamente todos os sistemas multiagentes complexos empregam alguma forma de hierarquia ou camada: uma camada reativa para respostas imediatas e uma deliberativa para planejamento estratégicosci.brooklyn.cuny.edu. Essa integração foi diretamente informada pelas lições dos anos 1980, onde cada abordagem isolada mostrou falhas – hoje entende-se que não é reativo OU deliberativo, mas reativo E deliberativo. Por exemplo, veículos autônomos utilizam reflexos rápidos (frenagem de emergência) aliados a planejamento de rota; agentes de negociação financeira reagem instantaneamente a flutuações mas também recalculam estratégias de portfólio a longo prazo.

Outra influência notável é o arcabouço BDI e as linguagens orientadas a agentes, que migraram do nível teórico para ferramentas práticas. Linguagens como AgentSpeak (implementada em plataformas como Jason) permitem que engenheiros programem agentes diretamente em termos de crenças, desejos e intenções. Isso significa que conceitos antes “filosóficos” agora se traduzem em código executável – um legado concreto da pesquisa cognitiva de agentes. Em aplicações de simulação social, por exemplo, modeladores especificam as crenças e metas de agentes cidadãos e deixam-nos interagir, analisando o comportamento emergente. Esse uso reforça a ideia de que os modelos mentais de agente são úteis para decompor problemas complexos: analistas podem dividir um problema em agentes menores com objetivos claros, ao invés de um bloco único de lógica, tornando o sistema mais modular e compreensívelcse-robotics.engr.tamu.educse-robotics.engr.tamu.edu. Assim, o paradigma de agentes atua também como uma ferramenta de modelagem e pensamento, não só de implementação.

No panorama industrial, conforme mencionado, muitos sistemas incorporam agentes sem alarde. Um exemplo é no gerenciamento de redes elétricas: agentes de controle locais (em transformadores, usinas, consumidores) negociam dinamicamente demanda e oferta, estabilizando a rede – isso aplica diretamente ideias de negociação e objetivos locais vs. globais desenvolvidas em DAI. Outro exemplo são os assistentes pessoais inteligentes em smartphones e alto-falantes: internamente, são compostos por múltiplos serviços (módulos de reconhecimento de fala, busca de informação, executor de comandos) que se coordenam; descrevê-los como sociedade de agentes cooperativos é bastante adequado e facilita sua extensão modular. A computação orientada a agentes inclusive influenciou metodologias de engenharia de software (ao lado da OO): hoje fala-se em AOSE (Agent-Oriented Software Engineering), com metodologias como Gaia e Tropos que guiam analistas a identificar atores/agentes, objetivos e cenários de interação desde a análise de requisitoslink.springer.comeprints.soton.ac.uk. Isso reflete a maturidade do conceito: de uma ideia abstrata nos anos 70, agentes viraram um paradigma de projeto nos anos 2000.

Desafios conceituais persistentes – Apesar dos avanços, algumas questões conceituais permanecem em aberto ou em debate. Uma delas é a definição exata de agente: até hoje, papers introdutórios muitas vezes reiteram “não há definição universalmente aceita”, e utilizam sua própria. Embora exista um entendimento tácito (como adotamos neste artigo), o espectro de definições pode gerar confusão interdisciplinar. Por exemplo, em aprendizado por reforço profundo, é comum chamar o algoritmo treinado de “agente” – mesmo que ele não seja social, nem persistente no tempo, podendo ser apenas uma rede neural reagindo a entradas em um episódio simulado. Isso diverge da visão clássica de agentes contínuos e sociaisslideserve.comslideserve.com. Assim, a comunidade ainda lida com fronteiras difusas: todo robô é um agente? E todo assistente de voz? Um cluster de microserviços cooperando é um agente coletivo ou vários? Esses cenários levam a debates sobre granularidade e identidade de agentes. Uma posição razoável (e de consenso moderado) é que agência é um conceito relativo: uma entidade pode ser vista como agente em certo nível de descrição e como simples componente em outro nívelepdf.pubepdf.pub. Por exemplo, uma colmeia pode ser modelada como um agente “superorganismo” ou como centenas de agentes abelhas individuais. Essa relatividade às vezes dificulta padronizar abordagens, mas também enriquece a flexibilidade do paradigma.

Outro desafio é conciliar objetivos locais e globais – um tema clássico que permanece central. Em sistemas multiagentes complexos, garantir que agentes autônomos atinjam um comportamento global desejado (seja cooperativo ótimo ou socialmente benéfico) sem um controle central é difícil. Problemas como dilemas sociais, comportamento emergente inesperado ou colapso de cooperação ainda são objeto de intensa pesquisa (ex.: mecanismos de incentivo e punição, aprendizado de normas, etc.). Conceitualmente, isso toca a distinção entre agentes auto-interessados vs. benevolentes. Enquanto na pesquisa acadêmica inicial muitas vezes se assumia agentes benevolentes (trabalhando para um bem comum pré-definido), aplicações reais frequentemente envolvem agentes com preferências potencialmente conflitantes (por exemplo, empresas autônomas competindo no mercado). Modelar e controlar isso requer ampliar conceitos – incorporando, por exemplo, teoria dos jogoseconomia de mercado para alocação (como leilões entre agentes) e até ética computacional para restringir ações nocivas. Portanto, embora o conceito de agente forneça uma estrutura, a previsão e garantia de comportamentos coletivos permanece um desafio não trivial, especialmente conforme os agentes ficam mais complexos cognitivamente.

Um aspecto epistemológico interessante é a questão da “intencionalidade” vs. “implementabilidade”. Dizemos que agentes têm crenças e desejos (visão intencional) porque isso ajuda a projetá-los e entendê-los, mas de fato eles são implementados em código determinista. Essa dualidade – olhar para agentes em dois níveis – foi discutida por Daniel Dennett (1987) com o termo stance intencional. Na prática de engenharia de agentes, isso se traduz em tensionar modelos altos níveis com detalhes de implementação. Felizmente, linguagens BDI e lógicas formais trouxeram um avanço: é possível especificar formalmente propriedades desejadas (ex.: “se o agente deseja X e acredita que Y é meio para X, então eventualmente ele intenciona Y”) e depois validar se a implementação as satisfaz. Contudo, lacunas entre a teoria e a prática ainda ocorrem; por exemplo, sistemas multiagentes complexos podem ser muito difíceis de verificar formalmente em larga escala, deixando dúvidas sobre garantias (segurança, atingimento de metas, prevenção de condições de corrida, etc.). Então, um desafio em aberto é melhorar métodos de verificação, validação e explicação de agentes – sobretudo conforme eles aprendem e evoluem (um agente que aprende pode mudar suas “crenças” e “intenções” de formas que dificultam previsibilidade).

Limites de abordagens extremas – Ao longo da história, vimos abordagens muito restritivas (por exemplo, insistir que agente deve ter representação mental sofisticada) e outras muito generalistas (chamando praticamente qualquer processo autônomo de agente). Ambas mostraram limitações. As restritivas corriam risco de excluir sistemas úteis: por exemplo, um simples termostato que ajusta a temperatura pode ser considerado um agente reativo básicoen.wikipedia.org, embora não tenha metas complexas – se definíssemos que só agentes com IA “forte” contam, perderíamos de vista um continuum importante. Já as generalistas incorrem em perda de significado: se tudo é agente, então nada é especial em agentes – o termo vira palavra da moda. A comunidade parece ter aprendido a evitar extremos, usando definições práticasdependendo do contexto e exigência. Ainda assim, periodicamente há “modas” que testam esses limites. Nos anos 1990, por exemplo, houve exageros de marketing proclamando que agentes iriam revolucionar a web e substituir interfaces tradicionais (o que não se cumpriu da forma esperada). Hoje, com a ascensão de agentic AI integrando modelos de linguagem, há novamente um buzz – e pesquisadores de agentes precisam contribuir com clareza conceitual para evitar ciclos de hype e decepção. Transparência terminológica e educação interdisciplinar são importantes: explicar o que realmente são agentes, do que já são capazes ou não, e quais proteções e evoluções precisamos (como mencionou o relatório do WEF 2024 sobre necessidade de governança robusta para agentes avançadosweforum.orgweforum.org).

Novos horizontes e questões éticas – Por fim, cabe destacar implicações para o futuro. Com agentes cada vez mais presentes em contextos críticos (veículos autônomos, recomendações financeiras, gerenciamento de cidades inteligentes), questões de responsabilidade, ética e confiança tornam-se primordiais. Um desafio conceitual é como dotar agentes de entendimento ético ou normativo – por exemplo, agentes médicos devem obedecer princípios como não maleficência e confidencialidade. Parte disso reduz-se a programação de regras (ex.: políticas), mas conforme os agentes aprendem e tomam decisões autônomas não previstas, surge a pergunta: podemos ou devemos construir agentes com algum “senso” moral codificado? Iniciativas em “AI ética” tangenciam a comunidade de agentes nesse ponto. Além disso, em sistemas multiagentes de larga escala, problemas de governança aparecem: quem regula um ecossistema de agentes autônomos possivelmente com donos distintos? Isso extrapola computação e adentra questões legais e sociais (p.ex., se um agente financeiro autônomo causar uma crise, quem é responsável?). Tais perguntas reforçam que o conceito de agente de IA não é puramente técnico, mas também socio-técnico.

No aspecto técnico, desafios adicionais incluem: melhorar a robustez e resiliência de agentes (para operar anos a fio sem intervenção, mesmo com falhas de rede, ataques de segurança, etc.), desenvolver agentes capazes de explicabilidade (que possam relatar em linguagem natural suas decisões, aumentando confiança do usuário), e aprimorar o aprendizado onlineem agentes (para que se adaptem continuamente sem perder comportamentos desejados prévios). Muitos desses desafios estão sendo abordados incrementalmente, muitas vezes reutilizando ideias já presentes na literatura de agentes – por exemplo, a noção de meta-agência (agente monitorando e ajustando outro agente) pode ajudar em auto-explicação e autocorreção.

Em conclusão, a evolução histórica do conceito de agente de IA trouxe uma rica gama de perspectivas – de máquinas reflexivas automáticas até entidades virtuais socialmente inteligentes. Essa jornada moldou a forma como concebemos e projetamos sistemas inteligentes atualmente, inserindo no núcleo da IA os princípios de autonomia, interação e modularidade cognitiva. Os sistemas multiagentes atuais colhem frutos diretos dessas ideias, mostrando que o paradigma de agentes provou seu valor em inúmeros domíniosweforum.org. Ao mesmo tempo, novos desenvolvimentos renovam questões fundamentais sobre o que significa agir de forma inteligente e autônoma. A história nos ensinou que nenhuma abordagem única resolve todos os problemas – agentes eficazes combinam múltiplas camadas e conceitos. Assim, a pesquisa contemporânea tende a ser cada vez mais interdisciplinar, mesclando aprendizagem, raciocínio, interação social e considerações éticas. Permanecerá crucial o diálogo entre visões técnicas e epistemológicas: entender não apenas comoimplementar agentes, mas o que é um agente no contexto social e cognitivo mais amplo. Somente com essa compreensão abrangente poderemos orientar a próxima geração de agentes de IA – potencialmente mais ubiquos e capazes – para que atuem de forma alinhada aos valores e objetivos da humanidadeweforum.orgweforum.org.

Referências Bibliográficas:

  1. Turing, A. M. (1950). Computing Machinery and Intelligence. Mind, 59(236), 433–460.
  2. Hewitt, C. (1973). A universal modular ACTOR formalism for artificial intelligence. IJCAI 1973, 235–245.
  3. Smith, R. G. (1980). The Contract Net Protocol: High-Level Communication and Control in a Distributed Problem Solver. IEEE Transactions on Computers, C-29(12), 1104–1113link.springer.com.
  4. Minsky, M. (1986). The Society of Mind. Simon & Schusterepdf.pub.
  5. Brooks, R. A. (1991). Intelligence Without Representation. Artificial Intelligence, 47(1–3), 139–159hugocisneros.com.
  6. Shoham, Y. (1993). Agent-oriented programming. Artificial Intelligence, 60(1), 51–92cse-robotics.engr.tamu.educse-robotics.engr.tamu.edu.
  7. Wooldridge, M., & Jennings, N. (1995). Intelligent Agents: Theory and Practice. The Knowledge Engineering Review, 10(2), 115–152slideserve.comslideserve.com.
  8. Genesereth, M., & Ketchpel, S. (1994). Software Agents. Communications of the ACM, 37(7), 48–53cs.ox.ac.uk.
  9. Rao, A., & Georgeff, M. (1995). BDI Agents: From Theory to Practice. Proc. of ICMAS 1995.
  10. Franklin, S., & Graesser, A. (1997). Is it an Agent, or just a Program? Proc. of Third Int. Workshop on Agent Theories, Architectures, and Languages (ATAL).
  11. (Painel AAMAS) Endriss, U. et al. (2021). Autonomous Agents and Multiagent Systems: Perspectives on 20 Years of AAMAS. AI Matters 7(3), 19–34staff.fnwi.uva.nlstaff.fnwi.uva.nl.
  12. (WEF Report) World Economic Forum (2024). Navigating the AI Frontier: A Primer on the Evolution and Impact of AI Agentsweforum.orgweforum.org.

Publicado

em

por

Tags:

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *